Lírian Tabosa convida

Este espaço está reservado para aqueles poetas e prosadores com quem tenho afinidades .
Aliás, como eu vou fazer também em meus livros a partir deste que está no forno.
Sempre haverá um espaço para um poeta amigo.
Estou aguardando, viu?










3. (04/05/2014) Aqui, ainda que com certo atraso, quero postar um texto de minha amiga Eliana de Castela intitulado O melhor carnaval de minha vida. Ela me pediu que avaliasse se devia ou não postá-lo, e eu fiquei tão apegada a ele, mostrando aos amigos e camaradas, que só agora lembrei de publicá-lo, na integra.




O Melhor carnaval da minha vida 

Eliana de Castela

     Os melhores carnavais para mim foram aqueles que ocorreram na adolescência, uns dois ou três anos talvez, quando eu juntava pedaços de retalhos e algumas roupas gastas pelo uso e confeccionava uma “fantasia” para ir à matinê num dos clubes de Rio Branco no AC, com entrada franca. A inocência, alheia à situação política do país da década de 1970, nem sonhava que enquanto eu brincava algumas pessoas também suavam em lugares ermos, buscando um refúgio além da fronteira para continuarem vivas, nem precisariam poder brincar.

     A segunda-feira de carnaval de 2013 superou a alegria do passado, esse sem dúvida foi o melhor carnaval da minha vida.

     Em Nova Iguaçu, RJ, bairro de Cabuçu, na casa de Lírian Tabosa, a poeta, professora de 80 anos de idade e homenageada pela Grêmio Recreativo da Escola de Samba Império de Cabuçu, nos dava o prazer de ouvir fragmentos de sua história de vida, relatados num misto de lágrimas e bom humor, como ela foi abraçada aos 9 anos de idade pelo Cavalheiro da Esperança, Carlos Prestes; como viu o Comandante Che Guevara pela primeira vez, na União Nacional dos Estudantes – UNE, que, funcionava no bairro do flamengo, no rio de Janeiro e pela segunda vez em La Paz capital da Bolívia, país em que ela foi exilada.    

     Relatou também, como foi sua prisão de trinta e três dias em La Paz, quando Che, ícone da Revolução Cubana foi assassinado por capangas do imperialismo; e mais, como foi a sua longa caminhada para sair do Brasil rumo ao exílio, escondendo-se em matagais e tendo como último recurso para atingir seu intento, saltar para o “trem da morte”, já em movimento e ficar escondida em um vagão, que por sorte estava completamente vazio. Esses momentos inspiraram Lírian a escrever muitos poemas como “A Fuga”:

Encontro-me em um lugar
onde só se escutam
músicas sentimentais paraguaias.

            Já entrei em cena
            e como ator ou atriz
            encontro-me também
            no palco do drama do exílio.

A fuga é triste,
é uma bambolina
de solidão e saudades,
contudo, seguirei o caminho
para que mais longe do Brasil,
com lágrimas me afaste.

     O hino de 2013 da Escola de Samba Império de Cabuçu, ressalta aspectos da vida de Lírian dizendo que, “seus livros são a voz de liberdade Mao Tse Tung, Che Guevara, inspiração, seus poemas encantam corações”. Poemas que foram feitos, por uma história de perdas, como amores, a liberdade e o emprego no antigo Departamento de Estradas e Rodagens – DNER, que hoje lhe permitiria ter uma vida financeira melhor, pois atualmente, para ela ter um conforto a mais, que a idade requer, conta com o apoio de familiares mais abastados. Essas perdas nos fazem compreender o trecho de seu poema, “Estático Tempo”.

Vou enfraquecendo,
Enfraquecendo...
As rugas mostrando
tais fenômenos
até um dia, eu matéria
apodrecer também
e o EU personalidade
imortal, alhures, olhares,
em outras dimensões
não terei saudades
deste mundo onde paguei.

     O encontro deu espaço a muitas cantorias, que Lírian dedilhava no violão, músicas que ela cantava nos bares da Bolívia durante o exílio, para ganhar um dinheirinho, até que ela começasse a dar aulas de reforço de física, química e matemática. Segundo ela, esta habilidade foi desenvolvida numa pequena sala, que seu pai preparou, com um quadro negro (verde), observação dela, onde auxiliava seus irmãos e sobrinhos a se prepararem para o vestibular. Ainda durante o encontro podemos ouvir o Hino da Internacional Socialista, cantado por Jorge Carlos (Mané do Café) e assistir o documentário “O regresso”, sobre o corteja aos restos mortais de Che Guevara, em Cuba. Por diversas vezes Lírian chorou vendo o filme que ela já assistiu muitas outras vezes, mas o amor pelo Comandante Che a emociona toda vez que fala seu nome.

     Estes foram os motivos que me levaram ontem, à Avenida Marechal Floriano Peixoto, em Nova Iguaçu, que se situa na tão sofrida baixada fluminense, para desfilar e cantar até faltar o fôlego, o hino da Império de Cabuçu, na companhia de Lírian e dos amigos dela que integravam a ala dos Artistas.

     O desfile foi na verdade um protesto contra a Prefeitura daquele município, que negara o justo apoio financeiro às Escolas de Samba, havendo repassado um valor insignificante, na opinião de Vitor Santos, Presidente da Escola. Em 2013, na cidade de Nova Iguaçu não teve disputa, jurados e nem notas, enquanto o luxo escorria no sambódromo da Sapucaí. Mas tivemos dois justos motivos para suar na avenida – a poesia de Lírian Tabosa e a indignação por uma política viciada que sobrevive ao longo de toda a história do Brasil, reforçando as desigualdades.

     Um ano passa correndo, quem integra escolas de samba bem o sabe, mal termina um carnaval, a cabeça já está repleta de novas fantasias, para o ano vindouro. E enfim, chegou o dia 1º de março de 2014, terça-feira de carnaval, o dia mais esperado do ano para a escola de samba Império de Cabuçu, pois agora, diferentemente de 2013, não se tratava apenas de um protesto, o desfile era pra valer. Cabe aqui um parêntese para lembrar, que embora o assunto seja carnaval no Estado do Rio de Janeiro, o palco da Via Light, avenida que acolheu o desfile das escolas de samba de Nova Iguaçu, nada se compara aos desfiles da capital, na Sapucaí, como já foi dito mais acima. As diferenças são tantas, que nem é possível estabelecer parâmetros, em Nova Iguaçu o acesso à arquibancada é livre, não há cobrança de ingressos, fato que se aproxima do tema escolhido pela Império de cabuçu quando homenageia alguém que dedicou a vida para valer a liberdade e a redução das desigualdades sociais.


Lírian Tabosa

     Foi o espírito carnavalesco, político e poético, que moveu os amigos de Lírian Tabosa, na ala dos artistas. Boa parte dos integrantes dessa ala são poetas, e com rara exceção tem samba no pé, mas estão acostumados a fazer letras para sambas, ou sambar na construção de poemas, na estruturação de rimas e na organização das estrofes, ou seja, a turma tem muito ritmo, alegria e soube bem arrancar sorrisos da arquibancada que cantou junto o hino da escola.

     A notícia alvissareira de que a escola de samba Império de Cabuçu era a campeã do carnaval de 2014, na cidade de Nova Iguaçu, rendeu uma animada festa na quadra da escola. Mas em minha opinião, o resultado do desfile do carnaval tem importância muito maior, que vai além do carnavalesco, que é a responsabilidade política, o reconhecimento por alguém que tem um compromisso social, que deu exemplo de coragem, que não teve medo de trocar uma vida tranquila, porém inútil, por uma fuga para manter-se viva e dar sequência a sua trajetória de “Luta, poesia e luz”, como diz o hino da escola de samba.


O Presidente da Escola Império de Cabuçu, Vitor Santos, 
ladeado à esquerda por Lírian Tabosa e à direita, a poeta Ana Paula Soeiro

     Dar o sangue na construção das alegorias, derramar o suor na avenida, ser campeã no desfile, ganhar o troféu, fazer a festa de comemoração, exibir as fotografias e filmes nas redes sociais é sem dúvida, a vida e o sonho de todo carnavalesco. Mas há que se render aqui a justa homenagem a quem não perde de vista o compromisso social a qualquer instante de seu trabalho. A decisão da Império de Cabuçu, quando escolheu a cearense, poeta, guerreira Lírian Tabosa, foi além, estendeu a homenagem a todas aquelas pessoas, que anônimas na história do nosso país, invisíveis à grande mídia nacional, perderam a juventude e muitas delas até a vida, pelo desejo de um mundo melhor.

     Foi com o olhar nessa constatação, que os poetas e amigos da ala dos artistas desfilaram dois anos seguidos pela mesma causa. Alguns com mais de cinquenta anos de idade, nunca antes, pisaram na avenida com esse propósito e o fizeram com o espírito festivo, comemorava-se ali a certeza utópica de que lutar deve ser enquanto há vida.

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2. Quero aqui fazer uma homenagem a uma pessoa que já não está entre nós na forma com a qual convivemos, mas que nos marcou sobremaneira pela sua humildade, pelo seu talento e pela sua forma de ser: Cláudia Perluxo. Para tanto, faço minhas as palavras do companheiro Celso Felizola:


Claudia,
Tão cedo nos deixastes!
A saudade ainda esmaga nossos corações,
E nos deixa a sensação de que poderíamos ter feito algo.
Mas a vida é assim:
Nos envolve,
Nos mastiga,
Nos digere
E só trágicos acontecimentos nos fazem emergir.
E já é tarde.
Temos que viver com esse mal de nosso tempo
Mas não temos tempo.
Quisera aprendêssemos as lições que apontastes em Anyê,
Que tão sabiamente soubestes caracterizar.

Celso Felizola.






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1. Iniciando esta seção, quero publicar um texto do companheiro Celso Felizola que, sem ter me conhecido na época do meu exílio,  soube recriar tão bem o meu embarque no Trem da morte, que ao ler o texto tive recordações de me fazer chorar. Vamos a ele:


A Fuga
Por Celso Felizola.

Quem é aquela frágil silhueta que se esquiva por entre os arbustos que margeiam a pequena estação ferroviária?
Cautelosamente, observa o movimento na plataforma. Pessoas conversam, mas não dá para distinguir o assunto. Também não é importante. Vez por outra, o trem parado emite sinais de que sua caldeira está em plena potência, aguardando pacientemente a hora da partida.
É madrugada. Ao longe, um cão late a espaços, talvez estimulado por alguns sons imperceptíveis ao ouvido humano.  A silhueta espreita o trem e o movimento na plataforma, e mal se dá conta das folhas molhadas de orvalho, que outrora lhe trariam poéticas inspirações. Agora não é o caso. Seu corpo está todo tenso e toda sua atenção está voltada para um só objetivo: embarcar naquele trem sem ser notada. Esperando de pé, um tanto inclinada para o leito da linha férrea, sentidos aguçados, observa o movimento enquanto sua mente remói rapidamente os acontecimentos dos últimos dias: a saída clandestina do Rio de Janeiro, a tentativa de sair do país pelo Uruguai, a peregrinação pelas fronteiras com o Paraguai e Argentina e, agora, tentando embarcar no “Trem da Morte” em Puerto Suárez, rumo a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Pensa também nos que ficaram para trás: familiares, amigos e, especialmente, em seu amado, que nunca mais voltaria a ver.
De repente os sons do vapor mudam, o movimento começa a se intensificar. As pessoas se apressam em embarcar. Um homem na extremidade da plataforma faz sinal com uma bandeira e o trem começa a mover-se lenta e progressivamente, qual um grande e preguiçoso lagarto de ferro. Nossa estranha observadora começa a mover-se no mesmo sentido, acompanhando-lhe a velocidade ao mesmo tempo em que mais se afasta da estação. Os vagões de passageiros vão passando, iluminados; corre com precaução para não ser vista. Mais da metade dos vagões já passaram; aumenta a velocidade da corrida, tentando acompanhar a composição. Certa de não ser mais vista da plataforma, agarra-se ao último vagão, lançando-se resolutamente para seu interior, permanecendo agachada por um bom tempo, recuperando o fôlego e adaptando-se à escuridão. Felizmente é um vagão de carga e está praticamente vazio, e não se chocou com nada que lhe pudesse causar ferimentos.

O trem agora já ruge e chia pela ferrovia. Os pensamentos de antes, que na corrida pareceu terem ficado para trás, voltam agora com mais intensidade. Mas é preciso deixá-los de lado e planejar os próximos movimentos: afastar-se da região de fronteira, a integrar-se aos demais passageiros. Afinal, esse é só o início de uma viagem da qual só sabe mesmo o destino final do trem, mas o seu próprio está ainda muito nebuloso. Maria Lírian Tabosa Machado sai, assim, do cenário do Brasil. Acusada de subversão e conspiração vê-se lançada, como diria posteriormente em um poema, “no palco do drama do exílio”.

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